No modelo clássico apresentado na década de 80 por um grupo de acadêmicos da Universidade de Harvard, liderados pelo professor Davis, a empresa familiar foi esquematizada em três subsistemas: a família, a propriedade e a empresa. Temos inúmeros exemplos de como os subsistemas interagem entre si e como a ocorrência de um evento num subsistema influencia e/ou interfere no outro.
A literatura sobre empresas familiares nos traz inúmeros exemplos e casos do entrelaçamento entre o subsistema familiar e subsistema empresa, mas em menor intensidade entre os subsistemas propriedade e família. Vamos focar no caso neste último. Muitos donos de empresas, na maioria das vezes seus fundadores, tiveram apoio inestimável de uma pessoa não membro da família na construção de sua obra. Poderia ser o contador da empresa, o chefe da produção e assim por diante. Foram pessoas que se dedicaram de corpo e alma ao negócio e, provavelmente, sem a inestimável ajuda deles a empresa não seria o que é. São pessoas de confiança que durante décadas compartilharam alegrias, desapontamentos e grandes vitórias com o fundador da empresa. Chega o momento em que o fundador, por justas razões, tem o desejo de premiar seu " braço direito". É um sentimento imbuído de justiça, reconhecimento e altruísmo ter o seu ex-funcionário como sócio da empresa. Mas, em muitos casos, este gesto, ao invés de ser uma recompensa e motivo de satisfação, pode se tornar um enorme problema para ambas as partes.
O impulso emocional, muitas vezes deixa de lado o racional. Cabe ao dono da empresa antes de colocar tal iniciativa em prática conversar com algumas pessoas, como por exemplo com o advogado societário de confiança.
A primeira pergunta a ser feita seria: quais as implicações legais em ter o " ex funcionário" como sócio. Provavelmente o Contrato Social da empresa teria que ser reformulado. Cláusulas de distribuição de resultados, retirada da sociedade de um dos sócios, venda e compra de participação societária, falecimento de um dos sócios, direito a voto se a empresa é ou uma limitada ou uma SA de capital fechado entre outros teriam que ser revistos e discutidos. Caso o empresário seja um homem solteiro isto é relativamente simples. Mas quando o dono da empresa é casado e tem uma familia as coisas são um pouco diferentes. A introdução de um novo sócio poderá ter sérias repercussões no subsistema familiar. A família, mesmo estando um pouco afastada dos negócios, provavelmente não irá ver com bons olhos, a figura de um não familiar recebendo uma parte, mesmo por menor que seja, de seu patrimônio. Perguntas surgirão em relação às questões econômicas. Em caso da saída do ex- funcionários da sociedade qual seria o valor que eles receberiam? No que tange à distribuição de lucros qual o valor que teria que ser distribuído. Em caso de falecimento do sócio minoritário quais direitos a sua família teria sobre a empresa?Pode ser também que os herdeiros que já estejam trabalhando na empresa não sintam empatia pelo "ex-funcionário". Qual seria a posição dos colegas do novo sócio da empresa, frente a este gesto de reconhecimento? Não seriam geradas expectativas entre os demais funcionários mais longevos? Não poderia ocorrer uma deterioração do clima de trabalho? Qual seria a postura do " ex funcionários" com chapéu de dono frente à toda equipe de trabalho e empresa como um todo? Este breve panorama nos mostra que gratificar um funcionário com uma participação societária pode ter um efeito bumerangue. É de muita importância que o todo seja muito bem discutido e avaliado no Conselho de Família. Se não houver este conselho formalizado ele deveria ser constituído talvez unicamente para esta finalidade.
Afinal das contas, o patrimônio familiar, incluída a empresa da família, não é apenas propriedade do fundador e sim de toda a família e com ela o assunto tem que ser discutido.
Um passo em falso no subsistema da propriedade poderá ter um impacto muito danoso e negativo sobre o subsistema familiar.
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